quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

ANA BRABA E ZÉ ZANGADO

No Cordel, leitor amigo,
Também se aprende lições
Pra nos livrar do perigo
Que causam as tentações
Do mundo, a nos convidar,
Confundindo o verbo amar
Maltratando os corações.

Sem pensar que casamento
Fosse mais que uma escolha
Ana tinha em pensamento
Viver ao léu, feito folha.
Um casamento é divino
Uma escola, esse menino!
E justo, como uma rolha.

Seu doutor essa história
Tem tudo de verdadeira
De luta e de vitória
E também de brincadeira
Como todo casamento
Ana fez o juramento
De viver a vida inteira.

Ana jovem displicente
Zé também um meninão
Neste mundo inclemente
E também sem coração
Dando rumo às suas vidas
Foram cavando feridas
Sem prumo, sem direção

Ao casal intempestivo
E por demais complicado,
Faltava adjetivo
Para ser classificado:
Ana Braba e Zé Zangado
Foi o mais apropriado
Para assim lhe ser chamado.

Na Bahia nasceu Ana
Filha de uma cearense
Cara de pernambucana
Lá na cidade Feirense
Esbarrou em Zé Zangado,
Foi seu coração roubado
Pra seu espanto e suspense.

Zé zangado era gaúcho
E também caminhoneiro
Trazia faca no bucho
Parecendo cangaceiro
Quando Zé olhou pra Ana
Pensou: que mulher bacana!
Deve ter muito dinheiro.

O pai de Zé, na fronteira
Percorria o mundo afora
Carreta na ribanceira
Pro coração não tem hora
Deixou viúva e sem trilho
Órfão seu único filho,
Nas estradas ir embora.

Ana não tinha dinheiro
E dava tudo que tinha
Ajudava o mundo inteiro
Era muito boazinha.
Mas se mexessem com ela
Voava pela janela
As panelas da cozinha

Ana estava no trabalho
Matutando em pensamento:
Se não casar eu encalho
Fez até um juramento.
Se Príncipe ele não for
E coração cheio de amor,
Casar era um tormento.

Num dia de micarêta
Com o caminhão quebrado
Zé consertando a carreta
Sem dinheiro e preocupado
Foi ligar da telefônica
Encontrando Ana afônica
De tanto já ter brincado.

Ana, a telefonista
Foi quem fez a ligação
Zé que era motorista
Já lhe fez indagação
O seu nome perguntou:
Madalena, ela falou.
Zé gravou no coração.

Pra falar com Madalena
No outro dia Zé chegou,
Era uma manhã serena
Na Matriz ele parou,
Pra Madalena jurava
Que ali ele se casava
E na hora, ela aceitou!

Valeu-me Nossa Senhora
Começou a confusão.
Como desfazer agora
A mentira e a ilusão
Madalena era Ana
E agora! Zé se dana
Depois dessa confissão.

Ana era mentirosa.
Esse era seu defeito
Mas por ser tão carinhosa
Zé já se sentia refeito
Era só uma mentirinha
Que engolindo com farinha
Não fica mágoa no peito.

Ana se apaixonou
Com o gesto de perdão
Pois no fundo ela pensou
Zé tem um bom coração!
Ana logo se apressou
A família apresentou
Pra Ze pedir sua mão.

Indo embora já com pressa
Zé jurou! Que voltaria
E Ana acreditou nessa,
Alegre esperaria,
Fazendo seu enxoval,
Pois antes do carnaval,
Com Zé, ela casaria.

Sem ninguém mais esperar
Chega Zé com a mudança
Doidinho pra se casar.
Ana cheia de esperança
Sem fazer vestido branco
Dizendo com jeito franco
Casarei mesmo sem dança.

Era como Zé queria
Sem festa e confusão
O casamento seria
Na igreja pra benção...
Na Matriz do juramento
Zé fez o seu casamento
E Ana sua comunhão.

Ana era uma donzela
Pra Zé, Ana era sem par,
Toda pura era ela,
Se não fosse o gênio dela
Que Zé teve que enfrentar
E a Ana suportar?
A vida seria bela.

Ana alegre escandalosa
Zé triste vivia no tédio
Ana só fazendo glosa
Triste Zé, não tinha remédio
Só gostava da estrada
Com sua camisa listrada
Cada parada, um assédio.

Zé não se intimidou
E Ana que era uma fera
Logo, logo engravidou
Trabalhando se esmera,
Desejando uma menina
Comprando já coisa fina,
Cor de rosa, à espera.

Mas o Zé só desejava
Que nascesse um menino
E de azul só comprava
Pra nada ser feminino
Sua sogra tão bondosa
Pra não ver Ana chorosa
Desfazia o desatino.

Seja homem ou mulher,
Dizia a sogra sorrindo,
Metendo a sua colher,
Todo filho é bem vindo!
Vou comprar roupa amarela
Pra evitar essa querela,
De Ana e Zé se consumindo.

E lá na maternidade
Nascia uma princesinha
Para o bem da humanidade
Uma linda menininha
Pra Zé uma decepção
Pois queria um varão
Para o nome que ele tinha.

Disse Ana: que trovejo!
Zé querer perpetuar,
Aproveitando o ensejo
Seu nome multiplicar.
Da família é tradição
De geração em geração
Um nome "Luis" lhe dar.

Ana alheia, nem imagina...
Isso era importante,
Mas se veio uma menina
Não era de forma errante
Era a primeira lição
Que sem Deus no coração
É a vida que ensina.

Bem mais triste é imaginar
O que Ana não sabia:
Quem edifica o lar?
Era a Ana que cabia,
A Zé lhe ser submissa
Rezar e frequentar missa
Pra deixar de rebeldia.

Zé outro filho queria
Pra São Jorge fez promessa,
Sem pensar como seria,
Bonzinho, a Ana confessa.
Se abraçando, bem contentes
Ana diz abrindo os dentes
Vamos fazer um depressa.

Quando o menino nasceu
Ganhou o nome do santo
Ana quase que morreu
No parto e de espanto
Zé não fez aquela festa
Ficou lá com a mão na testa
Muito alegre por enquanto.

Parecia preocupado
Já dois filhos pra criar
Estava desepregado
Só Ana a trabalhar
E isso não era só
Muito aperto de dar dó
E Zé nervoso a brigar.

Era uma vida dura
Ana perturbando Zé
Endoidando a criatura
Logo depois do café
Pra ir procurar emprego
Dois filhos, não é brinquedo
E a Deus pedia fé.

Não tardou Ana dizer
Se tremendo de temor
Outro filho vai nascer
E como prova de amor
Da mulher por seu marido
E ao seu filho querido
O seu nome ele vai ter.

Zé quase que desmaiou
Quando soube da notícia
Pois ele jamais pensou
Já que não tinha malícia
Que o que ele mais gostava
Era filho que gerava
Ou um caso de polícia.

Mas o problema danado
De se ter muitos meninos
Era Zé enciumado
Com seus instintos caninos
Não largar o osso de Ana
E de uma forma insana
Deixa Ana a ouvir sinos.

Ana por insegurança
Se largava a trabalhar
Carregando uma criança
Deixando outra a brincar
A vida ia arrumando
Zé agora trabalhando
Tudo agora ia mudar.

No aniversário de Ana
Zé comprou seu caminhão,
Troca de Fusca sem grana,
Só pegava no empurrão
Zé era determinado
E pra pagar o fiado
Sumia no estradão.

De caminhão quebrado
Carburador entupido
Compra de pneu furado
Notas de motor batido
Ana se via arrochada
Olhando para estrada
E muito choro contido.

Quando Ana precisava
Viajar pra estudar
Zé Zangado esbravejava
Jurava de lhe matar
Mas Ana muito teimosa
Embirrenta e corajosa
Não queria aceitar.

Por cima do meu cadáver
Atravesse essa porta,
Zé pegando no revolver
Ana já se via morta.
Gritava na confusão
Já na hora do avião:
“Zé! minha sorte não corta!”

Zé ficava igual um cão
Mas cuidava das crianças
E Ana no avião
Não perdia as esperanças
Saia meio perdida
Sem nenhuma despedida
A desatar suas tranças.

Quando o avião trazia
Ana, tonta de alegria,
Zé fazendo a folia
Crianças na gritaria.
Era beijo pra todo canto,
Era choro e era pranto,
E nada mais se sofria.

Ana ficava feliz
Com um Zé maravilhoso
Era tudo que ela quis
Se não fosse tão guloso
Comia tudo que tinha
Alí mesmo na cozinha
Pois Ana fazia gostoso.

Zé não era ciumento
Ele até era bonzinho
Sem fazer impedimento
Ana tinha seu carrinho.
Levar filhos pras escolas,
Encher ele de sacolas,
Pra desbravar seu caminho.

Ana cheia de faceta
Mas Zé não lhe dava apoio
Dirigia até carreta
La seguindo o comboio
Zé dizia “ na bangela”
Mas Ana freiava ela
Ouvindo canção de aboio.

Que poliana contente!
Ana gostava de tudo
Zé dizia: feche os dentes
Ana grita: fique mudo!
Brigavam o dia inteirinho
Igual como cachorrinho
Mas se amavam, contudo.

Manhãzinha de natal
Era um dia inesquecível
O churrasco no quintal
Era uma festa incrível.
A criançada brincando
O pagode lá rolando
A cerveja imprescindível

Zé se irritava com Ana
Por fazer tudo de vez.
Assovia e chupa cana
Na maior insensatez
Tinha um parafuso frouxo
E o de Zé que era roxo
Imagine a estupidez

Ana dentro da cozinha
Se via muito sem jeito
Se melava de farinha
Tentando fazer perfeito
Depois o bolo queimava,
Em pneu se transformava
Zé colocando defeito.

Quando mais Ana chorava
Pela panela queimada
Aí Zé só provocava
Ana se via atolada
Com mil coisas pra fazer
Zé deitado pra TV
Com a cara emburrada.

Eram tantos afazeres
Pelo tanto que corria
Não sentia mais prazeres
Pela vida que vivia
Com três filhos pra criar
Mil papeis Ana a encenar
E Zé buscando arrelia.

Enfrentava até ladrão
Zé zangado era valente!
Com uma arma na mão
Apontou pro delinqüente
Ana tomou sua arma
Zé disse: Mulher se acalma!
E fisgou o ladrão no dente.

Tomando banho de praia
Passou uma tal gatinha
Mexendo o rabo de saia
E Ana enciumadinha
Disse: se olhar fica cego
Juro por tudo e não nego.
E Zé deu uma olhadinha.

Quando pulou e emergiu
Do mergulho, Zé gritou:
Sua jura se cumpriu
Pois cego eu já estou
Mas foi uma água-viva
Que passava aderiva
E no seus olhos tocou.

Ana se dizia braba
Zé não era gente não
Se Ana diz: a porta abra!
Com o pé ela vai pro chão
E se Zé tivesse dentro,
Quem duvida do elemento?
Em Ana descia a mão.

Lá no chão chorava Ana
Maldizendo da agonia
Zé deitado já na cama
Chama Ana pra folia
Ana toda sem vergonha
Ainda meio tristonha
Esquecia o que sofria..

Se Zé não sabia amar
A Ana e seu topete
Mas sabia perdoar
Sem ficar buscando frete
Ele tinha compaixão
Pois Ana era sua paixão
Coisa que não se repete.

Zé tinha o coração bom
Ana assim reconhecia
Chamava lá a Kibom
Quando o sol entardecia
Zé juntava a meninada
Picolé pra criançada
E Ana feliz parecia.

Todo problema de Ana
Com Zé, o seu bom marido
É porque queria a fama
Do menino bem vestido
Bem forte e educado
Muito bem alimentado
De muito amor preenchido.

Ana tinha o lado dela
Que nem corda amarrava
Quebrou a sua costela
De tanto que suplicava:
Dar ao filhinho dengoso
Um pai doce e carinhoso.
Era aí que Zé brigava.

Ana com toda instrução
Deveria compreender
Que o instinto de brigão
De Zé teve ao nascer.
Cresceu junto com alemão
Que não repartia o pão
Osso duro de roer.

Ana era tão sabida
Mas não queira assuntar
Da forma que Zé entendia
O que é filho pra educar
Ana bruta ignorante
Com filosofia errante
Haja Ana a cutucar.

Era de enlouquecer
Quando Ana só ouvia
“Menino não tem querer,
Hora deles é de dia,
Quero assistir meu programa,
Os meninos vão pra cama.
Nem procure arrelia”

No meio Ana se via
Menino que resmungava
Era muita agonia
Só uma TV não dava
Ana mudava o canal
Na confusão infernal
Zé dali se retirava.

Zé não engolia sapo
Muito menos boi inteiro
Sem conversa e sem papo
Pegou a TV ligeiro
Sacodiu pela janela
E quebrando o vidro dela
Espatifou no terreiro.

Já no dia seguinte
Zé cobria Ana de beijo
Preparava com requinte
Café com leite e queijo
Servia Ana na cama
Dizendo o quanto lhe ama
Saciando seu desejo.

Na tardinha Zé chegava
Fazendo muita festança
Aos meninos entregava
Sem pedido e sem cobrança
Uma TV bem novinha
A cores e bonitinha
Trazendo muita esperança.

Ana rezava num canto:
Muito obrigada Jesus!
E com lágrimas em pranto
Pedia a paz e a luz
Pedia por harmonia,
Pedia sabedoria,
A Deus Pai que nos conduz.

Nas gavetas do papai
Menino não vai bulir,
De olho fechado ele vai
Pegar roupa pra vestir
Ana tinha os cuidados
Mas os meninos danados
Fazia Zé explodir.

Ana não era mufina
Zé trazia na cabina
As Maria gosalina
Cada qual era menina
Ana nem aí pra nada
Zé fazendo coisa errada
Pra seguir a sua sina.

Nisso Ana se perdeu
Não lutou pelo seu lar
Deixou Zé virar ateu
Esqueceu de lhe falar
Que quem não pisa no freio
O buraco é mais feio
E um abismo vai topar.

Já era tarde demais
Zé se foi, esqueceu Ana
Na folia mais e mais
Encontrou uma insana
Que jurou amor eterno
Fez da sua vida inferno
E roubou a sua grana.

De tanto que Ana sofreu
E Zé também, coitadinho
Deixaram de ser ateus
Buscando devagarinho
Conhecer as Escrituras
Que salvam as criaturas
Na procura de Caminho.

Zé sentia bem no fundo
Por Ana ser perdoado
Pois só existia no mundo
Jesus que não tem pecado
Pra Ana foi bom marido
Por sua mulher foi querido
Mas tudo estava acabado.

Zé se foi sem querer ir
E voltava de repente
Tristonho e sem sorrir
Ana já estava ciente
Dele arribar com a mala
Deixando a chorar na sala
Seus filhos, tudo inocente.

Até que Zé se mudou
De vez pra outro lugar
Ana sozinha ficou
Se danando a trabalhar
Ela não pediu ajuda
Aí ela ficou muda
Esperando Zé voltar.

Muitos anos se passaram
Ana muito que chorou
Eles se divorciaram
Depois Ana enviuvou.
Foi seguindo seu caminho
Tendo dos filhos carinho
Foi o que lhe consolou

E assim, leitor amado
Esta história terminou
Como um livro inacabado
Muita coisa inda sobrou:
Deus em cada coração
Um cordel por saudação
E a lição que aquí deixou.

Nubia Parente - Agosto 2006

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