quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

MINHA MÃE

Através dos olhos da minha mãe, comecei a perceber o mundo.
O mundo de minha mãe era muito rico. Educada em colégio de freiras, entendia de muitas artes, música, culinária, bordados e costura. Falava de obras de pintores famosos. Leu José de Alencar, Machado de Assis e tantos outros. Cantava com uma voz, como se fosse numa ópera e sabia nomes de famosos consertos. Muito culta era assídua na leitura de revistas: O Cruzeiro, Manchete e até o Pasquim o que lhe fazia ser diferente de outras mães que conhecia. Era justa e enérgica quando defendia suas convicções, muito humana e inteligente. Era “feinha”, baixinha, pescocinho enterrado, narizinho pequeno, lábios finos, sobrancelhas espessas, pernas grossas, seis pequenos, cintura fina, bumbum arrebitado, elétrica no andar e sempre têve o cabelo curto conservando desde a sua juventude o mesmo penteado. Tenho orgulho dela me ter confiado, algumas vezes, uma tesoura para cortar o seu cabelo. Era vaidosa, cuidava bem dos cabelos, das unhas e do seu corpo usando bons cremes. Adorava perfumes e camisolas. Tinha a alegria como meta de vida apesar de “ neurastênica” conforme papai falava com graça para definir um lado impaciente de dona de casa. Contava os casos dos infortúnios de sua vida com muita graça e bom humor. Sabia decorado e sempre lembrava as datas de aniversários dos 12 irmãos, cunhadas, sobrinhos, primos, amigos e colegas de trabalho. Quase todos os dias, amanhecia dizendo: “ Hoje é o aniversário de fulano... Ah! se eu fosse gente... mandaria um telegrama!... ”. O seu pessimismo com as coisas boas que pudessem lhe acontecer chegava a ser mesmo pitoresco. Costumava dizer que no seu enterro ia contratar umas meninazinhas para chorar por ela. Em contra partida, o otimismo que passava para os outros era contagiante. Católica, rezava o terço todos os dias em família. Nunca foi de trabalhar muito. Sempre têve sua equipe de cozinheira, lavadeira, engomadeira e faxineira para a limpeza mais pesada. Nunca nos ensinou prendas domesticas e era muito impaciente nas tentativas. Obedecia uma rotina de vida. Pela manhã ensinava, depois do almoço dormia, o banho das 3 da tarde, o cafezinho com leite, a cadeira de balanço na calçada à tardinha, o jantar com todos reunidos na mesa era uma imposição e na noite novamente na calçada se balançando na cadeira rodeada da vizinhança que adorava ouvir suas engraçadas histórias e dar muitas risadas. A sua personalidade era forte, nunca se deixou enganar a não ser quando a bondade de papai interferia. “ A palavra final é de Niní “ isto ela repetia sempre em reverência ao homem que foi o amor da sua vida. Aprendi a respeitar esta mulher e com o passar dos tempos fui lhe chamando carinhosamente de Dona Renota para demonstrar o grande amor e respeito que lhe tinha.
Eu sempre a tive como exemplo. Coisas marcantes até hoje determinam minhas ações na vida. Costumava dizer “ Eu sou águia “. Nunca pude esconder nada da minha mãe. Ela sempre estava adiante de mim. Quando lhe indagava o que é ser águia ela respondia: Ser águia é captar coisas do ar.
Quantas coisas estão guardadas nas minhas lembranças!... como se o tempo não tivesse passado... Lá em casa, éramos em cinco, mas na mesa sempre tinha um sexto lugar ocupado. Eram sobrinhos, irmãos, primos e órfãos da redondeza que minha mãe “ adotava” com a missão de acolher, educar e preparar para vida. Vale lembrar alguns como Mendo sobrinho de papai (hoje sogro do meu irmão). Henrique, que a gente chamava de Rico, também sobrinho de papai. Mamãe fazia sermões intermináveis contra o cigarro que Rico fumava, mas nunca deixou faltar “seu cigarrinho desse vício miserável”, como dizia ela. Depois chegou seu irmão para ocupar este sexto lugar. Tio Fernando veio para encher também a nossa casa de alegria e a partir daí muitos outros tiveram a oportunidade de receber os conselhos, o afeto e o amor de mamãe para levar para a vida e nunca mais esquecer. Neste sexto lugar passaram mais de 15 pessoas.
Professora por vocação, ensinava desrespeitando algumas regras da didática que entendia como modernidade. Muito carismática era muito querida dos seus alunos e ganhou uma homenagem de ter um Prédio Escolar com o seu nome. Alfabetizar o seu filho caçula foi uma missão impossível repassando para a Professora e dizia: “ O menino é analfabeto! Nem sabe ler e nem escrever. “ E tome cocorote na cabeça de Julião, com uma aliança que pesava uma tonelada. A sirene da escola tocava as 12 horas, mas ela sempre terminou seu expediente às 11:30 horas. Batia os dedos com a mão em punho na mesa, dizendo: “ – Doa em quem doer. Goste quem gostar! “
Mamãe foi uma mulher apaixonada pela simplicidade. Chorava no mesmo tempo que ria. A emoção lhe brotava nas pequenas coisas. Tinha muita inspiração para demonstrar o seu grande amor por papai, nas poesias, nas letras de músicas que adaptava às músicas de Roberto Carlos e nos apresentava como novidade quando chegávamos para visitá-la na fazenda. Confiando sempre na sua boa memória foi uma pena não ter registrado. Nelas estavam os seus lamentos, as suas recordações, os seus sentimentos e a sua alma.
Mamãe gostava de colocar o nome “diabo” no meio das suas frases resmunguentas. Então no dia que amanhecia com saudade de papai, nada lhe servia. Um belo dia, ela começou cedo e Tio Fernando começou a contar os “ diabos” que ela dava. - “ Niní é um diabo desalmado, nem lembra que tem um diabo de uma mulher e tudo por causa do diabo daquela fazenda... No fim das contas Tio Fernando contando, vinte, vinte e um, “ aí quando mamãe ouviu, perguntou: “ Que diabo de brincadeira é essa Fernando?! E tio Fernando: - vinte e dois... e ela: Vá pros diabos Fernando: E ele: - vinte e três...Aí ninguém agüentou e explodimos na maior gargalhada como ela sabia dar de forma tão solta e descontraída. O diabo desta história ainda rola até hoje nas rodas alegras de nossa família.
Quando não agüentou mais a saudade de papai, decidiu ir morar na fazenda com ele e lá viveu por mais 15 anos. A partir daí suas lágrimas foram com saudade dos seus filhos e netos. Tinha uma fé inabalada por Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Costumava rezar sempre em voz alta. Eram momentos sublimes de orações espontâneas citando nomes de todas as pessoas queridas e intercedendo também pelas mais necessitadas. Seu maior sentimento na vida foi ter perdido sua mãe aos sete anos de idade e quase não tinha nenhuma lembrança guardada de ter experimentado um carinho materno. Dizia que não sabia o que era ter uma mãe. Só Deus lhe deu a sabedoria de ter sido a melhor mãe do mundo.
Para matar nossa saudade, já aos 70 anos, enfrentava mais de trezentos quilômetros num desconfortável ônibus, chegando num taxi abarrotado de sacos de feijão, milho verde, mangas, pamonhas, doce de leite, qualhada, nata, cocada de amendoin e por diversas vezes vimos o dia clarear colocando as novidades em dia. Tinha uma resistência física impressionante. Tinha hábitos modestos na alimentação: arroz com feijão, uma bilantinha de carne, café com leite, pão, frutas, queijo e seu prato predileto era galinha ao molho pardo e vez em quando gostava de beber uma taça de vinho. Não tomava remédio nem sentia nada que justificasse estar indo para médicos.
Adorava ver a casa cheia de filhos, netos, genros, noras, irmãos, etc. Ninguém jamais que já tenha ido até ela, esquece as calorosas e alegres recepções. De braços abertos gritava “ Oh! Meu Deus que riqueza, meu querido, minha amada! Vem ver Niní quem está chegando...” No passar dos dias somente a presença divertida, alegre, engraçada, risonha de minha mãe, preenchia todas as lacunas de solidão de uma roça sem luz, sem água e sem o verde na época da seca que ela optou para viver pertinho do seu grande amor.
Minha maizinha querida! Quantas coisas eu ainda tenho para contar sobre a sua brilhante passagem nesta terra. As lágrimas turvam a minha visão e vão descendo para cair neste papel, como se fosse um rio de lembranças seguindo no tempo para não mais voltar. Hoje quando olho para o firmamento, procuro a mais linda e brilhante estrela do céu na tentativa de te encontrar... - nem mesmo, minha mãe, a estrela mais linda do céu é você.
Núbia Parente -

5 comentários:

Nubia Parente disse...

Angela Parente (amiga do orkut) deixou este comentário nos meus recados:
Angela:
Núbia,mas q relato mais lindo sobre sua mãezinha,sua simplicidade,seu jeito apaixonado de ser,sua maneira carinhosa d receber a todos em sua casa!Prima,vc tem esse dom maravilhoso da escrita,vc faz tudo com o coração,ñ preocupando-se em fazer "bonito".E o q é bonito é sua maneira descontraída de colocar os sentimentos nas palavras,contar tudo sem disfarses.Lindo demais!

Prima,pensa aí na felicidade em minha família.Minha Natália passou no vestibular prá enfermagem q é o sonho dela.Vi o resultado nessa madrugada passada,fiquei tão feliz q fiz esse poema:

Hoje estou muito feliz
Mais contente não poderia estar
Pois minha filha amada
Passou no vestibular.

Acordei agora na madrugada
E correndo sobressaltada
Fui na net verificar
Se o resultado estava lá.

Para minha alegria
E mais ainda de minha princesa
O curso que tanto queria
Era agora uma certeza.

Se tudo parecia tão distante
Agora era realidade
E seu sonho
Virou felicidade.
[Angela Parente
Responder

Nubia Parente disse...

)Zenaide Gouveia escreveu este comentario nos recados do meu orkut)
Zenaide:
Você está de parabéns. Gostei muito, ela foi realmente o que você escreveu.Sinto saudades dela mas sei que ela está em um bom lugar.
Fique com Deus.

Maria Nilta Parente disse...

Nubinha, como filha que tbm conheci muito bem "D. Renota", ninguém melhor do que eu pra fazer este comentário sobre o que a mana escreveu!
Muito bem escrito ! Mamãe era tudo isso e vc está de Parabéns!
Chorei ao ler certas passagens de nossa vida...E dei risadas com outras.
Era eu quem estava na sala-de-visita, quando ela começou com a sua exposição de "diabos." De verdade, ela era muito cômica! Não tinha quem não sorrisse com as coisas de nossa mãe!!!
O único erro que notei: você citar Colégio de freiras...talvez,cometido por não saber mesmo.
É que mamãe estudou interna realmente num Colégio, naquele tempo o mais famoso de Juazeiro do Norte; Um Colégio só feminino, mas que, ainda não pertencia às freiras. Quem dirigia este Colégio era D. Amália Xavier. Mulher enérgica, muito culta e respeitada em todo o Estado.
Também deixou livros escritos. Dando tbm sua contribuição à Cultura, na época.
Mamãe contava que em todos os anos que ficou ali, D. Amália fez as vezes da mãe que mamãe não teve...e que ela tbm lhe queria muito bem .
Então, mana, está ai a explicação de toda aquela maneira fina, aquele rico vocabulário e a esmerada educação de nossa mãe!
Afinal, ela fôra educada por Amália Xavier de Oliveira.Rsrsrs...

Maria Nilta Parente disse...

Nubinha, como filha que tbm conheci muito bem "D. Renota", ninguém melhor do que eu pra fazer este comentário sobre o que a mana escreveu!
Muito bem escrito ! Mamãe era tudo isso e vc está de Parabéns!
Chorei ao ler certas passagens de nossa vida...E dei risadas com outras.
Era eu quem estava na sala-de-visita, quando ela começou com a sua exposição de "diabos." De verdade, ela era muito cômica! Não tinha quem não sorrisse com as coisas de nossa mãe!!!
O único erro que notei: você citar Colégio de freiras...talvez,cometido por não saber mesmo.
É que mamãe estudou interna realmente num Colégio, naquele tempo o mais famoso de Juazeiro do Norte; Um Colégio só feminino, mas que, ainda não pertencia às freiras. Quem dirigia este Colégio era D. Amália Xavier. Mulher enérgica, muito culta e respeitada em todo o Estado.
Também deixou livros escritos. Dando tbm sua contribuição à Cultura, na época.
Mamãe contava que em todos os anos que ficou ali, D. Amália fez as vezes da mãe que mamãe não teve...e que ela tbm lhe queria muito bem .
Então, mana, está ai a explicação de toda aquela maneira fina, aquele rico vocabulário e a esmerada educação de nossa mãe!
Afinal, ela fôra educada por Amália Xavier de Oliveira.Rsrsrs...

Anônimo disse...

Nubinha, como filha que tbm conheci muito bem "D. Renota", ninguém melhor do que eu pra fazer este comentário sobre o que a mana escreveu!
Muito bem escrito ! Mamãe era tudo isso e vc está de Parabéns!
Chorei ao ler certas passagens de nossa vida...E dei risadas com outras.
Era eu quem estava na sala-de-visita, quando ela começou com a sua exposição de "diabos." De verdade, ela era muito cômica! Não tinha quem não sorrisse com as coisas de nossa mãe!!!
O único erro que notei: você citar Colégio de freiras...talvez,cometido por não saber mesmo.
É que mamãe estudou interna realmente num Colégio, naquele tempo o mais famoso de Juazeiro do Norte; Um Colégio só feminino, mas que, ainda não pertencia às freiras. Quem dirigia este Colégio era D. Amália Xavier. Mulher enérgica, muito culta e respeitada em todo o Estado.
Também deixou livros escritos. Dando tbm sua contribuição à Cultura, na época.
Mamãe contava que em todos os anos que ficou ali, D. Amália fez as vezes da mãe que mamãe não teve...e que ela tbm lhe queria muito bem .
Então, mana, está ai a explicação de toda aquela maneira fina, aquele rico vocabulário e a esmerada educação de nossa mãe!
Afinal, ela fôra educada por Amália Xavier de Oliveira.Rsrsrs...