sábado, 9 de fevereiro de 2008

No dia que fiquei verde...

Era véspera de um Natal. Meados da década de 80. Estava triste, de pensar que mais um feriado haveria de passar, como tantos outros, sem nenhuma programação especial que pudesse diferenciar entre um dia comum e um dia de festa.
Já quase no final do expediente do trabalho, mamãe liga perguntando se nós não iríamos passar o Natal com ela, na roça. Ouvindo minha resposta, prontamente, minha mãe decidiu ali mesmo no telefone, vir no dia seguinte. Meu marido estava viajando, como sempre e já havia ligado, dizendo estar chegando provavelmente no exato dia de Natal.
Com a notícia da chegada da minha mãe, o que sempre era uma grande alegria, tudo começou a mudar na minha cabeça. Certamente, este seria um Natal diferente! Peguei minha bolsa e sai mais cedo do trabalho para ver se ainda achava uma casa de material de construção, aberta, para comprar uma tinta de parede. Vibrei só em pensar: amanhã cedinho e num minuto, vou deixar a sala da minha casa, um brinco, ao nível dos visitantes e de um dia de Natal..
Já dormi pensando em acordar. Mal o dia clareou, eu já estava de pé, ajeitando uma coisa e outra, correndo pra um lado e para o outro, me preparando para a pintura da sala, que eu mesma ia fazer. E o pincel, ou um rolo, que eu nem lembrei de comprar? Será que hoje tem alguma mercearia aberta? Mas hoje é Natal, tudo fechado... Oh meu Deus! Fiquei contrariada, olhando as paredes da sala que poderiam ficar limpinhas, bonitinhas, pintadinhas de verde. A vassoura estava na frente dos meus olhos, quando tive uma feliz idéia: “ o material desta vassoura é igualzinho ao dos pinceis e esta vassoura poderá ser um imenso pincel. Vai dar certo!”. Coloquei a tinta numa bacia bem grande, embebi a vassoura na tinta, subi e desci a vassoura na parede que fez uma lista verde de quase meio metro de largura por três de altura. Pensei feliz: vai ser em dez minutos e esta sala estará do jeito que sonhei. Até onde a vassoura alcançava na parede, foi mesmo em quase dez minutos, pois, com o som ligado na maior altura, a vassoura subia e descia ao ritmo do forró. Nossa casa tinha a altura de uma igreja. Faltava agora, só pintar o triângulo branco que ficou na parede, onde a vassoura não alcançou, até a “cumeeira” do telhado. Aí é mais difícil, pensei! olhando para a mesa da sala. Sem mais pensar, arrastei a mesa para perto da parede, coloquei a bacia de tinta em cima da mesa e subi com a vassoura na mão, no ritmo do forró. Descia da mesa, arrastava a mesa e bacia para outro local e subia na mesa com a vassoura. Até que por fim só faltava um pouquinho, a parte mais alta que para alcançar exigia ficar na pontinha dos dedos dos pés, em cima da mesa. Comecei a operação até o último impulso para chegar no ponto mais alto. Eu nem acreditei! Estava conseguindo! Mas, ao mesmo tempo, senti os dois pés da mesa se abrindo, bem do lado que estava o meu peso. Larguei a vassoura para o chão, cravei as unhas na parede, enquanto ia descendo com os olhos fechados para esperar o baque da queda. Já no chão, eu me senti aliviada, se não fosse ter caído sentada, na borda da bacia que virou com a tinta em cima da minha cabeça e foi escorrendo pelos meus cabelos, pelo meu rosto, nos meus braços, nas minhas pernas e se espalhando do chão que ficou completamente verde e alagado. Pela vidraça da janela da sala, estava minha comadre a me olhar assustada. Oh Deus, eu havia convidado a minha comadre para almoçar neste dia comigo, pensando que ia passar o Natal sozinha e eu nem me lembrava mais. Que vexame! Toda verde e a casa toda desarrumada... E meu marido... E minha mãe que também vai chegar...Minha comadre entrou correndo para me socorrer e neste momento também, ouvi o estouro de um freio à ar da carreta do meu marido, parando na porta de casa. O que eu faço minha comadre? Era só o que eu dizia, andando na sala, de um lado para outro. Mas quando meu marido chegou na porta e me viu daquele jeito, explodiu com todas as palavras de agravos para me classificar de louca. Nem vi quando minha comadre saiu, pois fui para o banheiro que era o único lugar viável de se ir depois de tudo aquilo. Logo depois, entrou meu marido com uma lata de solvente a despejar sobre nos meus cabelos e passar no meu corpo e eu a gritar de ardor, a dizer que ele queria me matar, correndo em volta do banheiro e ele a me agarrar pela cintura e me puxar para debaixo do chuveiro, dizendo que veio sonhando por me encontrar, e eu dizendo que a casa estava horrível, e nesta luta ficamos por muito tempo. O que aconteceu depois da tinta? Fica por conta da imaginação...Meu maridão tinha inúmeras qualidades, dentre muitas, uma, era de me perdoar facilmente, e a outra, era de dizer, mais de dez vezes no dia, o quanto me amava.

Núbia Parente (10/06/04)

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