segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

A LUA DE MEL DO MEU TIO

Querido leitor amigo,
Conto com todo respeito
O que se passou comigo
E um casal do meu peito
Em plena Lua de Mel:
Foi doce pro be-le-léu
E todo plano desfeito.

Quem nunca se viu, um dia,
Se levar pra lua de mel,
Num jipe, que nem cabia,
Papagaio e farnel,
Tudo lá pra casa tinha
Sem esquecer a farinha
E a munição do quartel.

Nem imagina Doutor!
Tem ainda uma coisinha...
Sei que foi só por amor,
Além de tudo que vinha.
O tio perdeu a cabeça
Por mais incrível pareça,
Levou também a sobrinha.

Parecendo uma jagunça,
A bichinha inocente,
Entre a bagagem e a bagunça
Estava toda contente
Pensando ser lua de mel,
Um doce que cai do céu
De um tacho no fogo quente.

A sobrinha era eu
Nos meus bons 16 anos.
Foi muito orgulho o meu
Está também nestes planos.
Pra hoje contar a história
Pois escapei com vitória
Com todos meus desenganos.

Nas terras de Lampião
Caatinga pra dar com paú,
Sem uma folha no chão,
Nem uma rês no quintal,
Sem água pra se beber
Só tinha um de comer
E um punhado de sal.

Doutor foi um sofrimento
Ver meu tio suar tanto
Puxando por um jumento
Pra buscar água num canto.
O Vasa Barris tava seco
Pra plantar não tinha esterco
E só “nóis lá” por encanto.

Minha tia bem jeitosa
De Crepon ela enfeitou
O quarto e fez gostosa
A comida e ajeitou
Na mesa a sopa quente
Do lado uma aguardente
Tudo feito com amor.

Meu tio todo sentado
E a sopa quente no prato
Ele estava esfomeado
Se sentindo muito grato
Se não fosse a mosca tonta
Que caiu, morta e pronta,
Ele quase têve enfarto.

Corre doida minha tia;
Leva o prato pra cozinha;
Raspou panela vazia
Mas trouxe outra sopinha...
Duas moscas vêm de lá,
Cai aqui, cai acolá,
Na sopa tão gostosinha!

Meu tio correu nervoso.
Eu disse: Vai se matar!
Com um berro estrondoso
Abriu a boca a gritar:
“ Eu sou mesmo um condenado,
Um cachorro desalmado!
Vou dormir pra me acalmar”.

Quando se ouviu o trovão!...
Lá vem uma tempestade
Parecendo um furacão!
- Vamos correr pra cidade
O rio seco transborda
Não se passa nem de corda
Meu Deus, tenha caridade!

Pra arrumar tanta bagagem
Ligeiro em poucos minutos,
Era preciso coragem
Baforando os charutos
Meu tio pegou o jumento
Que ganhou no casamento
Acoitando em gestos brutos.

Como agüentava o Jegue
Se o jipe quase virou?
Mais um fardo e um esbregue
Aí o Jegue arriou...
Parecia estar morto
Caiu com pescoço torto
Deu um gemido e parou.

- Frei Damião nos socorra
Padim Ciço, me ajude!
Antes que esse jegue morra
“ Nos travesse” no açude.
Nós aqui nesta peleja,
Sobe o rio, relampeja,
Eu já fiz tudo que pude...”

O pior tava por vir
Desespero e loucura
Este jegue a cair
E a noite bem escura,
A correnteza arrastando,
A rede quase ficando
E água pela cintura.

Nesta hora não se sabe
Se salva a tia ou o jegue,
Mas isto, a meu tio cabe!
Só sentia água fria
E vontade de viver.
Deus é por nós, pedes crer!
Se não fosse “ nóis morria”!

De outro lado do rio,
Sentamos pra descansar
Coitadinho do meu tio...
Minha tia a desmaiar,
O jumento já pastando
O dia já clareando
Era hora de voltar.


Olhei minha Tia com pena,
Pois toda mulher um dia
Sonha com noite plena
De cores e fantasia
Mas com tanto sofrimento
De nós e até do jumento
Estava acabada a alegria.

Esta história a gente conta
Quando reúne a família
Nossa tia é uma santa
Seu apelido é Amélia
Professora competente
Uma mãe mais que presente
Merecia uma corbelha.

Meu tio é o Poeta
“Portador” de Castro Alves,
Coincidência completa
Superando os entraves
Segue firme a sua luta
Ao seu coração escuta:
Sabiás são mais que aves!

Obs.: Esta história é verídica. Somos da família Sabiá. Aconteceu em fevereiro de 1969. A fazenda era na região de Jeremoabo - Bahia. Caíram na sopa do meu tio, nesta mesma noite, mais uma mosca e foram três pratos de sopa perdidos. O casamento do meu tio dura até hoje. No fim das contas, quem escuta este cordel já está devendo R$ 3,oo e pode levar o livreto de cortesia. Esse dinheiro é pra pagar o funeral do jegue, que já deve ter morrido, mas merece também nossa homenagem, coitadinho...

Núbia Parente – SSA 24/02/2008

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