sábado, 9 de fevereiro de 2008

CABÔCA DO MATO

Seu doutô me dê licença,
quando chega a inspiração,
tenha a santa paciênça!
ninguém me segura não.

Nasci aqui no sertão,
catinga de mato afora,
vou falar de coração,
o que sinto nesta hora.

Derretida de amor,
Toda cheia de candura,
vivi aqui sem temor,
com meu oiá de ternura.

Tumbém brinquei de boneca,
ranquei dente de cordão,
bebí água de caneca,
descalça, de pé no chão.

Sou do tempo do fifó,
vestido feito de chita,
talco cheiroso era pó,
pras moça ficar bonita.

Tive lição nesta vida,
tão cheia de triprocó:
num se chama de perdida,
moça fia de Nicó.

Na roça é tudo iguá,
num se vê cunsumissão,
se fala munto informá,
cá língua do coração.

De noite, mio de môio,
na manhã, vai pro moinho,
na mesa, depois do aboio,
leite e cuscuz bem quentinho.

Cheiro de mato na roça,
na chuva, cheiro de terra,
brincano e fazendo trova,
enquanto o bezerro berra.

No curral cheira o estrume,
no escuro da noite, acende
as bunda de vagalume
e um risco de luz se estende.

Escutano o Bem-te-ví
é tanta emoção que vem,
canta tumbém Jurití,
mesmo sem ter um vintém.

Tem rangido de porteira
e carro-de-boi gemeno,
se ouve a noite inteira
no boi chucaio tremeno.


Tem o cantar da mocinha
No relá da mandioca.
La nas casa de farinha
Faz biscoito e tapioca.

E no finá de tardinha,
Sobe uma aroma gostosa
de farinha torradinha
e cachaça Saborosa.

Das pisadas de arguém,
se faz um trilho na mata,
é donde se vai e vem,
naquela vida pacata.

Raia o dia, galo canta,
No escurecer, sapo e gia,
Cigarra e grilo encanta
Quem ouve esta melodia.

No inverno o verde se espaia,
Por toda a vegetação,
As fôias cobrino as gáia,
do que sobrou da estação.

No bom tempo de fartura
de manga, pinha e cajú,
tem quem come tanajura,
com farofa e beijú.


Dezembro é mês de festa
de natal e ano que finda
pra dançar e pra beber
e sentir a vida linda.

A safra quando é boa
dá inté pra se casar,
os fio num fica atoa
vai tudo pra missa rezar.

Tem uns que compra a mala
Pra mode ir viajar.
Tem os que some e nem fala,
Outros só faz planejar.

A fé em Deus é sagrada
Mas, calo se tem nas mão,
Comida aqui é regrada.
Mas se divide o pão.

Quando menina levada,
subia nos imbuzeiro,
de graveto fui furada,
lá pras banda do Juazeiro.

Fazia poesia inocente,
da seca do meu sertão,
pra sorrir gente sem dente
da sina dos meus irmão.


Históras de Lampeão,
dos romeiro, pau de arara,
do Padim Ciço Rumão,
da doença que a fé sara.

Terra seca, esturricada,
nem um verde pra enfeitar,
só poeira na estrada,
fome e tristeza no ar.

Foi uns tempo tão sofrido,
ver as mãe sem ter comida,
menino com zói cumprido...
boca cheia de ferida...

Sabe doutô, sou cabôca,
valente que ninguém pode,
se tapare minha boca
faço imendar os bigode.

Eu parti e fui simbora,
estudar pra ser feliz,
pruveitar tudo que é hora,
escapano por um triz.

Foi aí que chorei tanto,
dos óio ser só ardor.
Na cidade tem encanto,
Mas tem munto dissabor.


Levano só esperança,
de viver com mais fartura
de comida encher a pansa,
Inté estorar a cintura.

Virano tudo sardade,
fui neste mundão afora,
sem mãe, nem paternidade,
nas mão de Nossa Senhora.

Doutô foi coisa difici,
vê gente cuma animá,
as notiça é tolice,
Num tem boa, só tem má.

Vixe que coisa esquisita!
Demorei me acostumar.
ruas de luz é bonita,
mas num é cuma o luar.

Lá tinha umas tá comade
vestida de manequim,
cumendo nóis de mardade,
numa arrelia sem fim.

Tinha rádio e TV
e musga destrambelhada,
reza lá nunca se vê,
tudo que é moça encalhada.


Nas festa quando se come,
Assunte, a boca fechada?
a gente inté passa fome,
pra num sê mal educada.

Tinha ciença dos home
coisa nunca vista aqui,
a misera que consome,
é forçado a se engulí.

Se balançano nos trem,
que gente mais avexada,
mulé e home, um xerém,
cuma se num fosse nada.

Tudo lá muda ligeiro,
e tudo tem que esperar.
Amigo? Só pro dinheiro.
Irmão? Pra que se falar...

Dispois de tanto clamor,
eu queira me aprumar,
trabaiá ter um amor,
minha famia arrumar.

Num ví trabaio de meia,
nem canto pra me arranjar,
vi a coisa ficar feia,
do povo a me despejar.

Êta Doutô que afrição,
diseno, nem aquerdita:
de farcudade a oração
vida de doido bendita!

Secretara e prufessora,
Era as minha profissão,
e o meu sonho de escritora,
guardei no meu coração.

Cuma Cabôca do mato,
sabe que cobra num drome,
me ajuntei com os ingrato
pra num ter que passar fome.

Vi tanta estrada cumprida
Pretinha que nem cravão
Se retroceno estendida,
Cuma jibóia no chão.

Vi tanta encruziada,
Tantas pedra pra topar,
cum tanta mardade espaiada,
vendo a hora num escapar.

Ví home muito sem fé,
ví gente sem coração,
ví cabra cuma muié,
menino sujo no chão.


E no luar da janela,
Oiano casais na rua,
cuma se fosse aquarela,
do sonho junto cá lua.

Cê pode num ter vitora,
mas num ter tumbém derrota,
basta os triunfo e as glora,
e ser fia de Renota.”

Assim pensava comigo,
Cabôca tem sangue quente,
Sofrendo como castigo,
Num reclama do que sente.

Veio no zóio uma lágrima,
mas num podia chorar,
Caboca é matéria prima,
pra essa vida enfrentar.

Têve tantas coisa assim,
contano num tem mais fim,
as vez fico inté pensano,
ninguém gostava de mim.

Lá só tinha uma muié boa
inté merecia coroa,
dava roupa, dava broa,
cunseio a muié atôa.


Conhece Fernão Gaivota?
que escreve pra ajudar,
ensina a fazer a rota,
pra vê os povo avoar?

Aprendi que ave vôa,
e home pode sonhar,
de pegar uma canoa,
sumir e cruzar o mar.

Diz que home que num sonha,
E só vévi a correr,
num sente a vida risonha.
Cava a cova pra morrer.

Fiz mais de mil pirueta,
cum vontade de acertar,
e na hora da colheita, nem Romeu de Julieta
sonhando a esperar.

A cada sonho perdido,
nunca me dei por vencida:
colando os caco escondido,
do que sobrou dessa vida.

No sacudir da poeira,
vou ajeitar minhas transas,
vou ficando pelas beira,
sem perder as esperanças.

Coisa de pouca importança
Mas é bom de recordar,
Lá num dia de festança
Fiz um cabra acordar.

Era um cabôco arruaceiro,
cumplexado, zambeta,
de raibam, cachaceiro,
e tocador de trombeta.

Tinha jeitão egoísta
cuma se fosse um atreta,
dançano como um artista,
deixou minha zunha preta.

Se gosto não desagrado,
mas defendo a verdade,
vendo o meu dedo sangrado,
num tive mais piedade.

Falei pro cabôco um dia,
pra dançar tem que ter jeito,
cuma quem busca arrelia,
cheia de amor no meu peito.

Nestas horas de instrução,
ensinei a tal da dança.
Toda cheia de emoção,
a gente nunca se cansa..



Hoje ele é destemido,
desliza que nem sabão,
ficou munto agardecido,
briga inté tem no salão.

Sonhando com o meu sonho
Com igreja, grinarda e vé,
Vestidinho alumiano,
Igual anjo lá do cé.

Mas tudo só foi um sonho,
intupido de loucura,
desse destino tristonho,
só sobrou mermo amargura.

Cumprei aliança de doce,
fiz as compra no bazar,
pensano cuma se fosse,
no dia de me casar...

Foi minguano a esperança.
Cabôca num é de afossar,
Pisei de dente a aliança,
Joguei no mato a rolar

Muito valente e sem medo,
Cum missa, cartoro e artar,
A ta de aliança no dedo,
Só assim hei de butar.


Cá com minha filosufia,
culera num hei de butar,
sortano o home sumia,
sendo meu, tem de vortar.

Munto difici se vê,
Argúem que pensasse assim,
Cabresto nos faz sofrer,
Fazeno a vida ruim.

Tudo lá é naturá,
mistura doce e jiló,
de coisas boas e má,
termina virando nó.

Já viu carniça no aceiro,
zurubú puxa um pedaço,
nada que é bom fica inteiro,
virano tudo um bagaço.

Num dia, não pude mais,
Fiz das tripa, coração,
bati num belo rapaz,
sacudino ele no chão.

Era frouxo o meu perdão,
nada de uzura eu tinha,
esquecia a ingratidão
se me chamasse de Binha.


Cabôca num fala mentira,
nem mermo para agardar,
tumbém num percura arrelia,
Tando eu queta num lugar.

Ouvi lera e desaforo,
Mas fiquei a segredar,
no fundo rezava no choro
pro sonho realizar.

Passei uma noite inteira,
consultando o coração,
quase fiz uma besteira.
Deus foi minha salvação.

O trabaio eu já tinha,
com tanta consumição,
e de todas coisa minha,
fartava as do coração.

Com as minhas profissão
nem a esperança acabar,
sem ter mais outra opção
fui ser cabo-eleitorá.

Aí eu vi trucidade,
pedir voto a farsidade,
Cuma pedino favor
Pra miorar a cidade.


Pé inchava de correr,
prum home que merecia...
que é que custava eleger
pra ver se ele vencia?

Da cama para labuta,
Cum vontade de acertar,
na venenosa disputa,
o melhor foi se aquetar.

Num quis passar pela vida
só cum rastro dos meus pé.
Quis foi ser inesquecida,
seja por home ou mulé.

Quando meus zói se achou,
Num anjo de gostosura.
Tinha o gosto deste amor:
café, leite e rapadura!

Êta! num foi pouco não,
o trumento da paixão,
roncano cuma truvão,
dentro do meu coração.

Apelava a todos santo,
Padim Ciço - sua benção!
Inté bilhetes dos bolso
Na agonia caia no chão.


Cuma cabôca esperava,
fumano que nem caipora,
quando a sardade apertava
cantava cá minha viola.

Cabôca num anda brava.
Gosta de dar carinho.
A arma que eu usava,
era o meu amor mansinho.

Amor que não tem futuro.
Vixe! eu esperei sentada,
Por um beijo no escuro...
Eu estava apaixonada.

Quanto truvejo de vida,
amar quem nunca me quis,
fiz no meu peito uma ferida,
que só me fez infeliz.

Ah! Se eu contasse a fio,
essa histora com clareza,
Sangrava as fontes dos rio,
Cobrino o mar de tristeza.

Sofri sem cumparação,
só suvaco de aleijado.
Cuma puxar carnegão,
por arquem desajeitado.


Os segredos escondido,
Da vida do meu amor...
Intupia meus ouvido
me sufocano de dor..

Povo sem cunciênça,
Malidicênça, discrença,
Não temia a ta doença,
Nem pedia a Deus cremença

Eu tapava os zuvido,
fechava os zói pra num vê,
ora home, deixe disso!
Cabôca sabe entender...

De manhã na cama véia,
o sol a raiar o dia,
se intrometeno nas teia,
pra me trazer alegria...

Marquei a data de ir
e jurei nos pé do santo
que a prumessa ia cumprir
pra precurar outro canto.

Inté a úrtima hora,
cuma quem num quer mais ir
Cas mão nos zói fui simbora
pra nunca vortar ali.


Vinha tanta emoção,
de intupir minhas guéla
que partia o coração
e, eu sem puder ver ela...

Contive ataque de pranto
de fartar a respiração,
hoje choro pelos canto,
quando vem recordação.

Larguei vida construida,
Vortei para o meu sertão.
O coração é uma ferida
que não tem mais cura não.

Cidade grande e bonita
Inhenxe nóis de ilusão.
Inté se pode ser rico
Mas se fica sem tesão.

Esta foi a concrusão
Dispois deste sofrimento
Que inté lhe peço perdão
De tudo que aqui lamento.

Na roça tudo tem vida.
Simplesmente: Natureza.
Bendita terra querida,
Não te esqueço, com certeza!

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