sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

UMA FOTO ANTIGA



Quase 40 anos que não nos víamos e de repente em minha frente estava uma querida amiga de infância, Conceição Vieira, trazendo uma foto minha, antiga, em preto e branco, dos meus 12 anos de idade. Este reencontro foi um momento de muita emoção para nós duas! Adicionar imagem
A foto me fez lembrar, de imediato, outra foto da capa de um livro de sonetos da poetiza portuguesa, Florbela Espanca. E com muito bom humor, coloquei logo um apelido na minha foto: Nubela Pancada! o que me fez explodir em gostosas gargalhadas.
Olhando a foto embarquei numa viagem de volta ao passado. Cheguei mesmo a sentir o meu estado de espírito daquela época. Eu me vi aos doze anos com tudo que sentia de mim mesma e da forma como nesta ocasião percebia o mundo e as coisas da vida.
A foto 3 x 4 mostrava o rosto redondinho de uma menina pura, de olhar meio tristonho, olheiras profundas e escuras e os cabelos cortados na altura das orelhas. O detalhe do cabelo cortado me transportou para o exato dia que decidi cortar meus longos cabelos por insistência de mamãe. O desespero que fiquei no espelho a me achar a pessoa mais feia do mundo, o choro incontido ao entrar em casa e a recepção consoladora de mamãe a me dizer que eu estava linda de cabelo cortado, causou-me uma saudade que não saberia aqui descrever.
Eu sempre fui muito alegre, mas na foto, o ar de tristeza no meu olhar transparecia os conflitos da minha adolescência nesta fase dos 12, 13 e 14 anos. Um dos maiores conflitos era definir se eu era uma moça ou ainda uma menina. Não existiam roupas que se ajustassem no meu corpo com naturalidade, no meio termo de menina-moça. Diante do espelho a roupa ou era de menina e eu me via uma moça ou de moça e eu me via ainda uma menina. Para sossegar meu coração muitas vezes preferia não sair e guardar os segredos dos meus conflitos. Eu não entendia também porque todas as minhas coleguinhas, até as mais novinhas, já haviam “ficado moças” e eu não. Este era outro segredo que me angustiava e eu não sabia com quem dividir. Anos depois, um dia, amanheci sentindo uma forte dor no pé da minha barriga, outra nas cadeiras (como se falava) descendo pelas pernas, náuseas e mais um bocado de incômodos. Daí foi que eu fui constatar que o que eu tanto desejava acontecer comigo, era uma coisa tão desagradável... Mas, mesmo assim, botei a boca no trombone e a cidade inteira ficou sabendo da novidade.
Por incrível que pareça com 12 anos eu já namorava um menininho desde o jardim de infância. O nome dele era João. Ele tinha uma caixa de sapato cheia de bilhetes que eu mandava para ele, durante os 5 anos de bilhetes pra cá e bilhetes pra lá... Esta caixa de bilhetes ficou mais de 20 anos guardada por uma tia dele. Ele eu não mais vi. Ele estava na igreja no dia do casamento da minha filha, convidado pelo meu genro seu colega de trabalho e ele me reconheceu logo que entrei . Foi pura coincidência! Quando eu soube tive vontade de ir até onde ele trabalhava. Quando nos vimos, sentimos a alegria do reencontro, mas ele não mais se parecia com o menininho dos bilhetes que ficou na memória dos meus amores mal resolvidos.
A foto me fez lembrar, a minha gravata da farda toda ruída, meus coleguinhas do primário, meus professores, a escola, a praça, as festas de agosto e a cidade de Cícero Dantas, onde nasci e lá vivi 16 anos.
Desta menina da foto eu carrego os sonhos, o gosto de escrever cartas e o hábito de acordar feliz com os passarinhos. Em vez de inventar uma mentira para contar todos os dias como fazia quando menina, hoje eu me sinto feliz quando escrevo contando belas histórias, verdadeiras, da minha vida .

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